MANUEL JOÃO RAMOS
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Pode fazer-se tudo num parque natural?

30/6/2020

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Gostamos de falar de natureza como se fosse uma coisa onde não estamos, de onde não somos. E gostamos de imaginar que há “espaços naturais” intocados pela mão humana “civilizada”. Damos de barato que há, ou houve, uma humanidade mais próxima da natureza, que a habitou e nela se integrou sem a modificar e perverter.
 
Mas consistentemente a paleo-ecologia tem mostrado quão longe esta visão idílica está longe da realidade. Há centenas de milhares de anos, mesmo antes da chamada revolução agro-pastoril do neolítico, que o ser humano marca, transforma e molda as paisagens naturais em todos os cantos do globo por onde passa.
 
Neste sentido, vale a pena revisitar o significado do conceito de “parque natural”. Ao contrário do que se possa pensar, um parque natural não é suposto ser um espaço de onde o ser humano esteja ausente. Certas áreas do território nacional são sujeitas a regulamentação específica com o objectivo de não apenas “preservar” paisagens e habitats zoológicos mas também actividades humanas “tradicionais” (supostamente não muito intrusivas) e promover o turismo “sustentável”. Mas áreas que recebem o título de “parque natural” não estão sujeitas a medidas tão rigorosas de proteção estatal como as “reservas naturais” e os “parques nacionais”. Em Portugal, enquanto os parques naturais são zonas compatíveis com a propriedade e o uso privados, as reservas são de propriedade pública e tendencialmente não habitadas. A criação de parques naturais é relativamente recente em Portugal e foi inspirada, depois da revolução de 1974, pelos exemplos espanhol e francês (vide o Parque Natural de Donaña, na província de Huelva, por exemplo). Antes da criação dos parques naturais regionais, o Estado português criou dois “parques nacionais”, em áreas de propriedade pública: o da Gorongosa, em Moçambique, em 1960, e depois o da Peneda-Gerês, de 1971.
 
Podemos traçar a origem longínqua das reservas naturais nas coutadas reais (por exemplo, a floresta de Fontainebleau, perto de Paris), e também nos baldios (um assunto fascinante que daria por si todo um artigo). O Parque Nacional de Yelowstone, nos Estados Unidos da América, foi o pai de todos os parques nacionais – o Yosemite e a Floresta de Sequoias, que o antecederam, eram inicialmente parques do estado da Califórnia. Instituído em 1872, a sua criação foi contemporânea das chamadas “reservas índias” e o princípio era o mesmo: a constatação dos efeitos devastadores da conquista do Oeste pelas populações provenientes da migração europeia na América. Mas se o objectivo das reservas era o de acantonar os habitantes nativos em espaços confinados, permitindo-lhes manter as suas tradições após lhes ter roubado os territórios, já a criação dos parques nacionais tinha um outro escopo: o de criar e preservar paisagens idílicas em oposição às poluídas cidades da revolução industrial. A ideia de parque nacional está naturalmente ligada à construção do orgulho e identidade do Estado-nação.
 
Podemos assim perceber que, em termos de rigor conservacionista e orgulho nacional, um parque natural fique uns furos abaixo das reservas naturais e parques nacionais. Ainda assim, na minha modesta opinião, é preciso fazer um grande esforço de imaginação e sermos até irresponsavelmente tolerantes para continuar aceitar como boa a ideia de que manter a designação de “parque natural” na área supostamente protegida da Arrábida é compatível com a presença no seu seio de uma cimenteira e várias pedreiras que diariamente a esburacam e poluem. Sejamos ainda assim optimistas e agradeçamos aos deuses não haver centrais nucleares em Portugal. Estou certo que, se as houvesse, a primeira a ser construída seria no Vale dos Barris.

Jornal de Azeitão, Abril 2020
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