MANUEL JOÃO RAMOS
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O crime da condução anti-social

24/7/2021

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Assim, de repente, lembro-me de Paulo Portas a esmagar um Mercedes contra o carro de uma copy-desk do Expresso parada num semáforo da Av. Fontes Pereira de Melo; de Garcia Pereira a vangloriar-se por conduzir o carro como um fórmula um em campanha eleitoral; de Rui Rio a experimentar um BMW na A1 a 220km/h e a admitir que a menos de 120km/h adormecia ao volante; de Jorge Sampaio a dizer nunca circular a mais de 120km/h em autoestrada mas os seguranças irem a 140km/h  para o poder acompanhar e os jornalistas terem de acelerar até aos 160k/h para não o perderem de vista; de Mário Soares a ser apanhado a 200km/h, a insultar os agentes da GNR e a dizer que o Estado é que ia pagar a multa; de Marcos Perestrello a desfazer um Mercedes oficial quando fazia dele uso pessoal. E depois há episódios como do motorista de Manuel Pinho que alegou ir em marcha urgente de interesse público quando apanhado a 212km/h na A1 (sem que o ministro tirasse os olhos do jornal, dentro da viatura); o episódio em que o motorista de António Costa alegou marcha urgente ao ser apanhado a 160km/h na A2, quando conduzia o então presidente da CML para um jogo de futebol no Estádio do Algarve; ou aquele em que o motorista de Mário Mendes, ex-secretário-geral de segurança interna, alegou marcha urgente após chocar com o carro do presidente da AR, ao descer a Av. Liberdade a 120km/h em hora de ponta sem parar em nenhum semáforo. E há o caso recente em que o motorista de Eduardo Cabrita, ainda Ministro da Administração Interna (MAI), atropelou um cidadão na A6 em zona de obra assinalada, circulando a uma velocidade ainda não determinada, em circunstâncias de marcha, urgente ou não, ainda não conhecidas publicamente.
Após uma sucessão de queixas da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M), o então Provedor de Justiça Alfredo de Sousa emitiu em 2011 a Recomendação 4-A/2011, de imediato acatada, por despacho, pelo então MAI, Rui Pereira. A Recomendação versa sobre as condições em que os veículos oficiais utilizam a “marcha de urgência de interesse público e a forma como as autoridades policiais devem proceder à fiscalização da mesma”. O ponto 3 esclarece que “nem todo o serviço público justifica a inobservância das regras e dos sinais de trânsito”. O ponto 6 estipula que “cabe em exclusivo à Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária (ANSR) a apreciação dos casos de serviço urgente de interesse público, a fazer no âmbito da instrução dos processos de contra-ordenação. (...) Às forças policiais compete levantar os autos de contra-ordenação rodoviária sempre que presenciem situações de inobservância das regras e os sinais de trânsito”. A recomendação que como disse foi acatada pelo MAI, indica que a GNR, a PSP e a ANSR devem organizar e manter actualizados registos de entidades do Estado cujos veículos e condutores foram fiscalizados e invocaram ou suscitaram o serviço urgente de interesse público, e devem divulgar anualmente tais registos.
A ACA-M pugna há mais de 20 anos pela pacificação das relações sociais em meio rodoviário e considera que os detentores de cargos públicos têm um dever especial de cuidado e se encontram obrigados a oferecer-se publicamente como exemplo irrepreensível de boa conduta rodoviária, enquanto mandantes dos motoristas que lhes estão assignados nas suas deslocações oficiais. É sabido que os motoristas de viaturas do Estado se encontram numa situação de particular fragilidade contratual, sentindo-se compelidos a obedecer a ordens - explícitas ou implícitas - dos seus mandantes, mesmo quando estas contravêm os deveres acima referidos. Na nossa perspectiva, qualquer violação por parte de um detentor de cargo público a esse dever de suma isenção em meio rodoviário, seja por acção ou por omissão, é atentatória do contrato social estabelecido entre o Estado e os cidadãos, e reveste a forma de comportamento anti-social especialmente gravoso. Por outro lado, a percepção pública dos comportamentos rodoviários de detentores de cargos públicos, enquanto mandantes, é a de que, com demasiada frequência, não reflectem essa obrigação de conduta rodoviária exemplar. Em diversas ocasiões, no passado recente, detentores de cargos públicos ou os seus motoristas invocaram circular em “marcha urgente”, quando fiscalizados e autuados pelas forças de segurança por se encontrarem em inobservância das regras e sinais de trânsito.
Passados dez anos sobre a Recomendação do PJ e do Despacho do MAI, continuamos sem ter qualquer informação sobre o que se passa no universo cinzento das relações entre governantes, motoristas e entidades fiscalizadoras. A ANSR nunca publicou a lista anual das infrações dos motoristas de governantes ou das alegações de “marcha urgente”, as forças policiais nunca divulgaram os autos de infração, o MAI nunca tomou medidas contra a cultura de impunidade rodoviária que se vive a bordo das viaturas oficiais, e sobretudo nenhum governante surgiu perante as câmaras de televisão para fazer o necessário e urgente mea culpa prévio ao combate à corrupção colectiva que faz com que governados aceitem comportamentos rodoviários anti-sociais da parte dos governantes para assim poder justificar, perante a sua consciência, os seus próprios actos anti-sociais na estrada.
É por isso urgente saber a que velocidade circulava o BMW atribuído a Eduardo Cabrita na A6, a 18 de Junho, e se o seu motorista alegou ir em “marcha urgente”. E é ainda mais urgente, porque se trata de comportamentos perigosos posteriores àquele mediático atropelamento mortal, saber a que velocidade circulavam nos dias 5 e 12 de Julho as viaturas:
- Do primeiro-ministro António Costa na A1
- Do ministro do ambiente na A2
- De pelo menos duas secretárias de estado na A1
É igualmente imprescindível saber se os seus motoristas irão alegar ter conduzido em “marcha urgente”. Um mea culpa colectivo vinha mesmo a calhar.
 
O Público, 17/07/2021
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BERARDIZAÇÃO

24/7/2021

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Apesar de relativamente recente, kitsch é uma palavra de etimologia dúbia. Popularizada no mercado artístico de Munique, em finais do séc. XIX, para designar obras de mau gosto, superficiais, imitadoras, terá ganho o seu sentido a partir do verbo dialectal bávaro kitschen (“apanhar lama da rua”). Um outro verbo com a mesma raíz, Verkitschen, significa “vender algo acima do preço”. Nasceu portanto como um termo pejorativo, como marca de distinção entre valores estéticos “elevados”, porque criativos e originais, e “baixos”, porque imitadores e desinspirados, e usado para designar objectos pseudo-artísticos produzidos de forma mecanizada para consumo das massas.
A palavra pastiche é a adaptação francesa do termo italiano pasticcio, e na sua origem significa algo como “pastelada”, uma mescla heteróclita. Tem o mesmo atributo de arte superficial, imitadora. Como o kitsch, o pastiche começou por designar um tipo de arte barata, superficial, de mau gosto, embora tenham sido recuperados durante o séc. XX como intenções de questionamento crítico de acepções artísticas elitistas.
Pechisbeque é o aportuguesamento de um termo inglês que também designa imitações de baixo valor, e que advém do nome de um relojoeiro do séc. XVIII, o londrino Christopher Pinchbeck, o criado de uma liga de cobre e zinco que simulava a cor do ouro. Neste caso, é o material e não o estilo e a forma que revelam o carácter imitador e enganador do objecto em relação ao qual se usa o atributo pejorativo.
É curioso que se saiba mais da etimologia de termos alemães, ingleses ou franceses (e italianos) que dos seus equivalentes portugueses. A origem do significado actual das palavras “parolo”, “foleiro”, “possidónio” e “piroso” é bastante obscura. “Parolo” virá de parole e terá começado por designar alguém que procura imitar de forma desajeitada determinadas formas de falar; “foleiro” (ou “fuleiro”), que pode tanto vir de “fole” como de “fula”, refere-se também a alguém pretensioso e com mau gosto; “possidónio” advém de um nome próprio (Possidónio, aportuguesamento do grego Poseidon) e virá da expressão brasileira que designava um político oriundo da província e procurava imitar as maneiras da capital; “piroso” é a adjectivização de “pires” e poderá ter começado por se referir ao uso pretensioso, pela pequena burguesia de finais do séc. XIX, de pequenos pratinhos para suportar chávenas, imitando as maneiras das classes aristocráticas.
De certa forma, é um pouco parolo, piroso, possidónio e foleiro, usar estrangeirismos como kitsch, pastiche ou pechisbeque, para designar de forma pejorativa certos objectos, acções ou pessoas a quem pretendemos atribuir qualificativos como “superficial”, “imitador” e “pretensioso”.
Nos últimos anos, têm proliferado nos espaços públicos azeitonenses intervenções profundamente foleiras, parolas, pirosas e possidónias. Morangos e cachos de uvas gigantes em fibra de vidro, ovelhas em cimento, arcos pseudo-setecentistas em betão,  oliveiras ajeitadas à maneira de bucho, ciclovias em curvas de guitarra e fontanários pintados a acrílico têm sido depositados em rotundas, esquinas e parques como dejectos de pombo. Ou melhor, como adereços de um cenário de opereta imitadora, alindamentos superficiais – boçais, mesmo - que resultam numa mescla desinspirada de estilos e parasitam de forma primária, pretendendo ser homenagem, elementos patrimoniais da vila e da região.
Diga-se com todas as palavras: os espaços públicos de Azeitão têm sido capturados por uma coligação de interesses de mau gosto e pior ética – os interesses de uma administração local ávida de “obra feita” e dependente das chamadas “contrapartidas” (resultantes da cedência de bens públicos a entidades privadas), e os interesses de autopromoção de certos empresários que, plagiando o super-kitsch, super-pastiche, super-pechisbeque Donald Trump, assentam as suas pseudo-beneméritas doações em mesquinhos programas de fuga aos impostos.
Diga-se numa só palavra, que compila todas as outras: a freguesia de São Lourenço foi berardizada.
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 Jornal de Azeitão, Julho 2021
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    Manuel joão ramos

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