MANUEL JOÃO RAMOS
  • Home
    • English >
      • Blog
      • Publications
      • Graphics
      • Videos
      • About Me
      • Contact
    • Português >
      • Publicações
      • Arte Gráfica
      • Vídeos
      • Sobre Mim
      • Contacto
      • Politica de privacidade

A Tragédia dos Comuns

30/5/2022

0 Comments

 
Picture
A Quinta da Periquita, na Aldeia da Portela, hoje um “alojamento local” propriedade de investidores estrangeiros para uso de clientes também maioritariamente estrangeiros, não é propriamente um exemplo de quinta histórica ao contrário, por exemplo, da Quinta de Santo Amaro, da Quinta das Donas, ou do Casal do Bispo (a antiga Herdade da Infanta). O edifício foi reconstruído há pouco mais de 40 anos, pelo Juiz Francisco Rolão Preto, filho e homónimo do polémico monárquico integralista.
 
A quinta e o edifício em si não têm nada de particularmente notável, tirando a vista magnífica dos contrafortes da Serra da Arrábida. Para mim, uma parte do seu charme está na ligação indirecta a Rolão Preto pai. De cada vez que passo pela Estrada dos Barrancos, à saída do Largo da Portela, relembro-o, não tanto porque foi o fundador dos Camisas Azuis, o entusiasmado jovem de inclinações falangistas que conviveu com a família de Primo de Rivera, mas porque, enquanto fundador da Convergência Monárquica e posteriormente do Partido Popular Monárquico, foi um dos principais representantes do desditoso movimento comunitarista português. De facto, a mais interessante parte da sua obra literária é precisamente aquela que ele dedica à longa história do comunitarismo em Portugal e à defesa desse ideal.
 
Essa corrente silenciosa e grandemente silenciada pretende (ou pretendeu, porque hoje pouca coisa de discussão política corre ou sequer escorre em Portugal) reviver ideias e práticas seculares de organização social local de tendências colectivistas que se cristalizaram durante a Idade Média e foram progressivamente desarticuladas à medida que o Estado se centralizava e o Direito perdia o seu tertium genus, que era o direito comum para vantagem do binómio público/privado.
 
O direito ao uso comum de terras foi consagrado juridicamente nas Ordenações Manuelinas: para “os haverem por seus ou por seus os coutarem e defenderem em proveito dos pastos e criações e logramento de lenha e madeira para as suas casas e lavouras”, porque “proveito comum e geral é de todos haver na terra abastança de pão e outros frutos”. Desde então, foi retrocedendo até praticamente desaparecer do Direito Civil durante o Estado Novo, ressurgindo timidamente na legislação posterior ao 25 de Abril de 1974.
 
No norte do país, como na Galiza, o uso comunitário dos baldios e a defesa da propriedade comunal está ainda viva, mas o facto de o poder autárquico se poder imiscuir na sua gestão tem resultado em infelizes atropelos ao direito comum, em benefício dos cofres de juntas de freguesia que cedem os baldios para, por exemplo, colocação de parques de eólicas em elevações ventosas. Sem estruturas, ideias ou pessoas que o defendam, o espaço do direito comunitário (que os ingleses designam como law of the commons, distinta da common law) é consumido pelo direito público e pelo direito privado.
 
A Serra da Arrábida está cheia de espaços baldios, de práticas comunitárias (ou pelo menos da sua memória). Mas, num mundo em que prevalecem os interesses públicos e privados, não podemos senão assistir saudosos à lenta morte trágica dos comuns. O caso, reportado nos jornais, da polémica em torno dos direitos comunitários no que respeita ao uso colectivo de espaços nas margens e interior da Herdade da Comenda (o parque das merendas junto à Ribeira da Ajuda, o acesso à praia, o caminho de Santiago) é claro sinal do estado comatoso em que se encontram hoje os ideais comunitaristas. A indignação popular contra as vedações instaladas pelo novo dono da Comenda, o fundo imobiliário Seven Properties, da Mirpuri Foundation, levou a que os setubalenses se concentrassem para gritar “A Comenda é nossa!” em 2019, numa manifestação em defesa do interesse comum. Mas rapidamente a autarquia se acaparou do processo, que a partir daí se transformou num jogo político no qual o direito público (nomeadamente o do embargo) tem digladiado contra o direito privado dos fundos de investimento turístico. E, por esta via, o direito dos comuns se vai esboroando até desaparecer, como uma praia sem areia na maré cheia.
 
 Jornal de Azeitão, Maio 2022
 
 
 
 

Tags:
0 Comments

Grande 25 de Abril

30/5/2022

0 Comments

 
Picture
Não há quase terra portuguesa onde o 25 de Abril não seja invocado, em largos, ruas e avenidas. Mais precisamente, contam-se 1.600 atribuições da data, e dos seus correlatos Movimento das Forças Armadas, Capitães de Abril e Revolução de Abril, no conjunto dos municípios portugueses. Apenas 20 concelhos, todos no norte do país, não o celebram na sua toponímia, entre eles Santa Comba Dão, Macedo de Cavaleiros, Mogadouro e Proença-a-Nova. Há um modesto 25 April Close, em Oldham, na periferia leste de Manchester, uma  Avenue d'Avril 25, no bairro Woluwe-Saint-Lambert, em Bruxelas, um Calle 25 de Abril em Veracruz, no México.

Curiosidade enciclopédica, o 25 de Abril é celebrado em Portugal, naturalmente, mas também em Itália, como o dia da Libertação Nacional no final 2ª Guerra Mundial; na Austrália, Nova Zelândia, Tonga e Samoa, lembrando o dia em que os ANZAC desembarcaram em Galipoli, na Turquia; na Alemanha, como Dia da Árvore; no Egipto, como o Dia da Libertação do Sinai; na Coreia do Norte, como o Dia do Exército Popular; na Suazilândia, como o Dia da Bandeira Nacional; e no Cazaquistão, como o Dia do Futebol. As Nações Unidas celebram-no como o Dia Mundial da Malária e o Dia do ADN. Actualmente, o 25 de Abril já não é comemorado em Israel, onde a assinatura dos Acordos de Camp David, em 1982, deixou de ser motivo de júbilo, nem na Etiópia, porque a comemoração da devolução do Obelisco de Axum, em 2005, transportado para Roma pelo exército italiano em 1937, foi introduzida pelo governo liderado pelos tigrínios – que se encontram agora em guerra contra o novo poder em Adis Abeba.

Várias comemorações da Igreja ortodoxa caem falsamente no 25 de Abril: a eliminação de 13 dias em Fevereiro, aquando da adopção do calendário gregoriano na União Soviética, e a criação do calendário juliano revisto fizeram que várias comemorações de santos tenham passado para o dia 12 de Abril: São Basílio, o Confessor, Zenão, Bispo de Verona, Santo Isaac, o Sírio , os Mártires Mina, David e João, a Virgem Anfusa de Omónia,  Atanásia de Egina, bem como a comemoração do ícone Murom da Mãe de Deus.

Na Roma antiga, o festival da Robigalia realizava-se também a 25 de abril, em homenagem ao deus Robigus. Era um festival agrícola que tinha lugar na fronteira do Ager Romanus, num bosque que se situava ao longo da Via Claudia, dedicado à protecção dos campos cerealíferos; Verrius Flaccus refere que, além de vários jogos, o festival incluía um sacrifício do sangue e vísceras de um cachorro não desmamado.
Azeitão e Sesimbra concorrem para esta comemoração pública com aquela que é possivelmente uma das longas e mais estranhamente designadas avenidas do país. A Avenida 25 de Abril tem não menos de 31 quilómetros e liga o Santuário de Nossa Senhora do Cabo Espichel à aldeia de Cabanas onde, entre a Farmácia Graça e as instalações do Grupo Popular Recreativo Cabanense, se metamorfoseia em Avenida Visconde do Tojal. É um topónimo que se acoplou à mais banal nomenclatura oficial das Estradas de Portugal: a Avenida 25 de Abril recobre boa parte da N379 (não confundir com a N379-1 que, junto à costa, liga a cimenteira da Secil a Casais da Serra).
​
Perguntar-me-ão qual o interesse de debitar aqui dados de Wikipedia. É simples: quis saber onde iam parar as águas das enxurradas que descem a Rua da Sociedade Filarmónica Perpétua Azeitonense e que, devido à falta de escoamento (alguém poupou ali muito em sarjetas), vertem sobre as laterais destruindo muros e inundando o casario, nos meses de Janeiro e Fevereiro. Foi assim que fiquei a saber que esta descaracterizada artéria, em que os moradores consideram ser perfeitamente razoável estacionar sempre os carros em cima do passeio apesar de ela ser a mais larga e mais vazia das vias urbanas de Azeitão, termina na N379 ou, como o GoogleMaps me ensinou, na Avenida 25 de Abril. O assunto não tem de facto interesse nenhum, até porque, com os impactos do aquecimento global, as enxurradas de inverno parecem ser coisa do passado.
 
Jornal de Azeitão, Março 2022
Tags:
0 Comments

    Manuel joão ramos

    Breathing, talking, writing, drawing.

    Archives

    March 2023
    November 2022
    October 2022
    September 2022
    August 2022
    July 2022
    May 2022
    April 2022
    February 2022
    January 2022
    November 2021
    October 2021
    September 2021
    August 2021
    July 2021
    June 2021
    May 2021
    April 2021
    March 2021
    February 2021
    January 2021
    November 2020
    October 2020
    September 2020
    August 2020
    July 2020
    June 2020
    April 2020
    March 2020

    Categories

    All
    Ambiente
    Arrabida
    Arte
    Censura
    Comuns
    Conflito
    Etiopia
    Gentrificacao
    Historia
    Jornal De Azeitao
    Mobilidade
    Mobility
    O Publico
    Oralidade
    Palestina
    Pandemia
    Pandemic
    Pesca
    Política
    Pollution
    Poluicao
    Portugal
    Risco Rodoviario
    Ritual
    Turismo
    Ucrania
    Universidade
    Urbanismo

    RSS Feed