Ausentes ainda os veículos automóveis, o trânsito é, nesses filmes, sobretudo pedonal, perturbado apenas pela circulação de cavalos, carroças e diligências. É na rua principal que a acção central deste género de filmes tende a acontecer: o duelo entre pistoleiros, o roubo do cofre do banco, o encontro do vaqueiro com a amada, a zaragata que verte do interior das portas do saloon.
O enorme sucesso que os filmes de Western norte-americanos tiveram ao longo de décadas levaram a que, a certo momento, viessem a ser replicados noutros países. O caso mais conhecido foi o do chamado Western Spaghetti italiano nos anos sessenta e setenta do século passado, frequentemente sob o pano de fundo da meseta desértica dos arredores de Pamplona, em Espanha. O género tornou-se de tal forma influente que até na União Soviética se chegaram a produzir filmes de Western.
Sendo a indústria cinematográfica portuguesa muito incipiente, não admira que não haja exemplos nacionais de filmes do faroeste, dos chamados filmes de cowboys. Mas, caso a algum realizador luso ocorra vir a conceber um filme que, de alguma maneira, retome, reinterprete, ou reinvente o género Western em Portugal, eu aconselhá-lo-ia a olhar com atenção para Azeitão como localização excepcionalmente dotada para acolher as filmagens.
A serra da Arrábida não será tão imponente como o Grande Canyon; os areais de Coina e da Quinta do Anjo não serão tão secos como o deserto do Mojave; os nativos das redondezas não terão a pele tão avermelhada quanto a dos Apaches e dos Navajos; os agentes da GNR não serão tão nervosos com o gatilho quanto Wyat Hearp. Mas a rua principal está lá, assim como lá estão os saloons, o banco, e o mercado que faz as vezes de mercearia. Peões não abundam, é verdade, mas haverá sempre quem aceite alguns euros para fazer de figurante. Os carros podem ser facilmente ser removidos para o terreno da feira mensal, e a igreja pode ser despida das imagens de santos de forma a passar por templo evangélico.
Dir-me-ão que poderá haver alguma falta de cavalos e de cowboys para tornar credível o filme. Mas não podemos esquecer o imenso potencial, até hoje intocado, de Azeitão: a inquestionável abundância de motos e de motoqueiros na vila e arredores. Se eu fosse realizador de cinema, contratava-os para fazerem aquilo que fazem excelentemente, com um jeito natural: saírem à maluca das garagens das moradias montados nos seus cavalos de duas rodas, invadirem com sobranceria e impunidade a rua principal, fazerem piruetas e voltejos nas suas cavalgaduras, ingerirem em bando quantidades apreciáveis de álcool, e fazerem-se donos do povoado, ensurdecendo toda a população.
E, como nos filmes de Western, filmaria o povo temeroso espreitando impotente, por trás das portas de tabique do saloon, o espectáculo circense dos motoqueiros do OK Corral, ansiando por que um forasteiro com sobrolho de Clint Eastwood desça da serra para pôr a vila na ordem.
Final alternativo:
...E, como em certos filmes de Western, filmaria a presidente da junta espreitando frágil e impotente, entre as cortinas da janela do xerifado, o espectáculo circense dos motoqueiros do OK Corral, ansiando por que um forasteiro com sobrolho de Clint Eastwood desça da serra para pôr a vila na ordem.
Jornal de Azeitão, Fevereiro 2023