MANUEL JOÃO RAMOS
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O estado de Pastel

25/5/2021

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Em 1947, a Assembleia das Nações Unidas, inspirada pela máxima de que soluções simples são as melhores para resolver problemas complexos, aprovou a divisão do território da Palestina então sob mandato britânico em duas entidades nacionais: Palestina e Israel. O pós-guerra foi prolífico em soluções simples: Coreia do Norte e Coreia do Sul, China e Taiwan, Índia e Paquistão, Iémen do Norte e Iémen do Sul, Somália e Somalilândia, Etiópia e Eritreia, Chipre turco e Chipre grego... ah, e Alemanha de Leste e Alemanha Ocidental.
 
O que se passou a seguir tem sido fonte de maravilha para os amantes de enigmas insolúveis: os recém-criados estados árabes não aceitaram a solução, seguiu-se uma guerra, a expulsão de quase um milhão de palestinianos do território israelita, e a progressiva anexação de terras em volta, até à caricata situação actual em que, na sequência dos acordos de Oslo, a então reafirmada “solução dos dois estados” é impossível de concretizar dado que não passa pela cabeça de nenhum palestiniano viver numa fatia de queijo suíço.
 
Um dos estados juridicamente mais xenófobos do planeta, que assenta o princípio da cidadania numa interpretação híper-restritiva do ius sanguinis e na exclusividade de pertença religiosa, tem ao longo das décadas aperfeiçoado uma versão nativa do sistema sul-africano do apartheid, tanto no interior do país como nos territórios palestinianos ocupados, de forma a prevenir que a população não-judia possa algum dia ser numericamente superior à judia – ou seja, o que podemos chamar de democracia hútu.
 
Herdeiro da lógica simplista da guerra fria, o novo presidente norte-americano reafirmou agora, no quente do mais recente cessar-fogo entre palestinianos e israelitas, a validade da “solução dos dois estados” como a única via possível para a paz na região. Contam-se pelos dedos de uma mão os políticos locais (todos do cada vez mais diminuto campo “laico”) que acreditam na viabilidade da “solução”, hoje em dia. O extremismo fundamentalista judaico alimenta-se do extremismo fundamentalista islâmico e vice-versa. Uns e outros são a inesperada (e complicada) consequência da decisão “simples” de dividir o território em dois, um para judeus e outro para muçulmanos. Nesta espiral descendente e radicalizante, a eternização do conflito violento pontuado por momentos de cessar-fogo parece a única solução possível. Não será assim de admirar que a “única democracia do Médio Oriente” passe rapidamente a oligarquia ou a autocracia quando finalmente a população não-judaica (muçulmana e cristã) no interior de Israel se tornar maioritária.
 
Ora, se os radicais judaicos não admitem a existência de uma Palestina independente, e se os radicais islâmicos não admitem a existência de um estado judaico, e nenhum aceita a viabilidade da “solução dos dois estados”, a melhor alternativa a este contínuo mais-do-mesmo com sete décadas é procurar soluções criativas, como propõe Paul Watzlawick: há que reenquadrar o problema de forma que as velhas soluções que não solucionam nada caduquem. Tal como Arquímedes teve o seu eureka no banho, eu tive o meu numa pastelaria, esta manhã. Se o problema é mesmo que israelitas não querem uma Palestina e os palestinianos não querem um Israel, e nenhum quer a “solução simples” de 1948, então basta criar um novo país com um novo nome onde uns e outros vivam sem chatear o resto do planeta. Se os sul-africanos conseguiram, porque não voltar a tentar? Até tenho um nome para o país: comecei por conceber Palestiriel, mas achei mais graça a Pastel – afinal, já há países que se chamam Camarões e Perus, e há até um que resolveu o conflito entre galegos e portenhos inventando a palavra Portugal.
 
​Publicado n'O Público, 25 Maio 2021.
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