MANUEL JOÃO RAMOS
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Divagações termais

4/6/2024

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Não me consigo lembrar do nome do café fronteiro ao Clube Sesimbrense (agora Grémio), no Largo José António Pereira, em Sesimbra. Era ali que o Rafael Monteiro tomava o seu café, quando não estava a cirandar pela vila ou por Santana. A barba longa albergava migalhas das torradas de vários dias, e os dedos que seguravam o cigarro sem filtro tinham uma tonalidade castanho-nicotina. Não havia segredo que ele não conhecesse, nem opinião que não tivesse, pelo menos no que a Sesimbra concernia. Foi ele que descobriu, na Quinta da Aiana de Baixo, uma lápide de seis medalhões igual à que ostenta a fonte de Aldeia Rica, em Oleiros, e a uma outra, proveniente da Quinta da Arca de Água, em Alferrar, Setúbal, que entretanto foi vendida por um sobrinho do visconde de Montalvo ao coleccionador Jorge de Brito nos anos sessenta.
A Fonte de Aldeia Rica é contemporânea da Fonte dos Pasmados, cuja construção, ordenada pelo juíz de fora Agostinho Machado de Faria em 1787, esteve envolta em polémica. Originalmente, a fonte situava-se num pátio interior da Quinta da Nogueira, que hoje é das Caves José Maria da Fonseca, mas o “Pombal Azeitonense”, como o juíz ficou conhecido, ordenou a sua deslocação para o espaço público, tendo a população trabalhado “de noite e em dias feriados não auferindo qualquer remuneração”. A obra causou controvérsia, tendo o proprietário da quinta apresentado queixa contra o juíz por a deslocação ter “causado graves prejuízos para o cunhal e muro da casa nobre da Quinta” e “o dito ministro” foi denunciado pelo “malévolo animo” de ter explorado “o suor e trabalho dos pobres”, e “para o efeito de que não faltem (...) são presos e manietados todos aqueles que faltem”.
Ainda assim, o chafariz causou tal impressão de pasmo na população que daí resultou o seu nome. Já quanto à “lenda” que conta que “quem das suas águas beber não deixa de Azeitão regressar”, creio que devemos dar certo desconto, já que essa parece ser uma frase feita usada para caracterizar um sem-fim de fontes e chafarizes em Portugal e no mundo.
Hoje, estão secas ou insalubres muitas das nascentes, fontes e olhos de água de onde antigamente fluíam as águas subterrâneas das serranias da Península de Setúbal. E, no entanto, elas foram a um tempo apreciadas e louvadas pela sua qualidade. A de São Simão, a da Quinta do Anjo, a cisterna do “Castelo dos Mouros” em Coina Velha, até a da Califórnia, na praia de Sesimbra... Uma das mais desconhecidas e misteriosas é a Fonte da Rocha, anichada na encosta sul do Vale dos Barris, perto de Palmela e ainda mais perto do Convento das Irmãs da Apresentação de Maria. Foi, em tempos, uma fonte férrea, com efeitos curativos. Em Portugal são raros estes pontos de água, de características termais. Quase nada se sabe hoje da história da Fonte da Rocha, vítima da perda da capacidade de retenção das águas de uma Serra da Arrábida cada vez mais árida.
As águas férreas são especialmente indicadas para tratar problemas da circulação sanguínea, curando anemias e restituindo o equilíbrio das plaquetas. Pelo que aprendi ao visitar a fonte de Vale da Mó, nas faldas do Luso, era hábito os pastores procurarem nascentes férreas porque tinham um efeito miraculosamente reconstituinte para o gado. Não custa imaginar que a Fonte da Rocha tivesse sido um ponto de paragem de rebanhos de ovelhas e cabras – como acontecia em Vale da Mó, antes da expulsão das ordens religiosas no final da monarquia, quando as irmãs ursulinas doaram à aldeia os terrenos do mosteiro e o célebre químico francês Charles Lepierre analisou as águas da fonte e determinou a sua qualidade como água termal.
Não provei a água da Fonte da Rocha, no Vale dos Barris, mas provei a da Fonte do Vale da Mó. Posso assegurar que sabe muito mal, e que a sua cor me fez lembrar os dedos do Rafael Monteiro, de saudosa memória.

Jornal de Azeitão, Setembro 2023​
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