Apesar de relativamente recente, kitsch é uma palavra de etimologia dúbia. Popularizada no mercado artístico de Munique, em finais do séc. XIX, para designar obras de mau gosto, superficiais, imitadoras, terá ganho o seu sentido a partir do verbo dialectal bávaro kitschen (“apanhar lama da rua”). Um outro verbo com a mesma raíz, Verkitschen, significa “vender algo acima do preço”. Nasceu portanto como um termo pejorativo, como marca de distinção entre valores estéticos “elevados”, porque criativos e originais, e “baixos”, porque imitadores e desinspirados, e usado para designar objectos pseudo-artísticos produzidos de forma mecanizada para consumo das massas.
A palavra pastiche é a adaptação francesa do termo italiano pasticcio, e na sua origem significa algo como “pastelada”, uma mescla heteróclita. Tem o mesmo atributo de arte superficial, imitadora. Como o kitsch, o pastiche começou por designar um tipo de arte barata, superficial, de mau gosto, embora tenham sido recuperados durante o séc. XX como intenções de questionamento crítico de acepções artísticas elitistas.
Pechisbeque é o aportuguesamento de um termo inglês que também designa imitações de baixo valor, e que advém do nome de um relojoeiro do séc. XVIII, o londrino Christopher Pinchbeck, o criado de uma liga de cobre e zinco que simulava a cor do ouro. Neste caso, é o material e não o estilo e a forma que revelam o carácter imitador e enganador do objecto em relação ao qual se usa o atributo pejorativo.
É curioso que se saiba mais da etimologia de termos alemães, ingleses ou franceses (e italianos) que dos seus equivalentes portugueses. A origem do significado actual das palavras “parolo”, “foleiro”, “possidónio” e “piroso” é bastante obscura. “Parolo” virá de parole e terá começado por designar alguém que procura imitar de forma desajeitada determinadas formas de falar; “foleiro” (ou “fuleiro”), que pode tanto vir de “fole” como de “fula”, refere-se também a alguém pretensioso e com mau gosto; “possidónio” advém de um nome próprio (Possidónio, aportuguesamento do grego Poseidon) e virá da expressão brasileira que designava um político oriundo da província e procurava imitar as maneiras da capital; “piroso” é a adjectivização de “pires” e poderá ter começado por se referir ao uso pretensioso, pela pequena burguesia de finais do séc. XIX, de pequenos pratinhos para suportar chávenas, imitando as maneiras das classes aristocráticas.
De certa forma, é um pouco parolo, piroso, possidónio e foleiro, usar estrangeirismos como kitsch, pastiche ou pechisbeque, para designar de forma pejorativa certos objectos, acções ou pessoas a quem pretendemos atribuir qualificativos como “superficial”, “imitador” e “pretensioso”.
Nos últimos anos, têm proliferado nos espaços públicos azeitonenses intervenções profundamente foleiras, parolas, pirosas e possidónias. Morangos e cachos de uvas gigantes em fibra de vidro, ovelhas em cimento, arcos pseudo-setecentistas em betão, oliveiras ajeitadas à maneira de bucho, ciclovias em curvas de guitarra e fontanários pintados a acrílico têm sido depositados em rotundas, esquinas e parques como dejectos de pombo. Ou melhor, como adereços de um cenário de opereta imitadora, alindamentos superficiais – boçais, mesmo - que resultam numa mescla desinspirada de estilos e parasitam de forma primária, pretendendo ser homenagem, elementos patrimoniais da vila e da região.
Diga-se com todas as palavras: os espaços públicos de Azeitão têm sido capturados por uma coligação de interesses de mau gosto e pior ética – os interesses de uma administração local ávida de “obra feita” e dependente das chamadas “contrapartidas” (resultantes da cedência de bens públicos a entidades privadas), e os interesses de autopromoção de certos empresários que, plagiando o super-kitsch, super-pastiche, super-pechisbeque Donald Trump, assentam as suas pseudo-beneméritas doações em mesquinhos programas de fuga aos impostos.
Diga-se numa só palavra, que compila todas as outras: a freguesia de São Lourenço foi berardizada.
Jornal de Azeitão, Julho 2021